quinta-feira, 13 de setembro de 2012



FNT/ Guaramiranga 
(fotos Sol Coelho)

Rafael Barbosa, o açougeiro lírico



Rafael Barbosa, encenador de seu próprio texto, está no palco. No pedestal, um microfone e uma lâmpada. A peça se chama Ô Putaria, e a razão deste título será explicada dentro em breve.  Vestindo terno e gravata, mesmo figurino que o de Edglê Lima, com quem divide a cena, começa, ele dramaturgo, mas já no palco como ator, a discorrer sobre o espetáculo. Há, no canto esquerdo, uma privada, um  cavalete amarelo com o aviso de que o chão está molhado. A ação se dá em cima do palco do Rachel de Queiroz, em Guaramiranga. A porta que dá para o fundo, onde entra o material do cenário, está escancarada, próximo de quem está  pendurado em um gancho um pato, de verdade, abatido.

Embora o texto seja autorreferencial, de alguma maneira metalinguístico porque inicia dizendo que em Fortaleza as pessoas não saem de casa para ver um espetáculo que tenha mais de duas horas e, deduz o dramaturgo ironicamente, estas mesmas pessoas não têm paciência para um relacionamento longo, mesmo que o recurso, por seu uso e abuso, poderia ter encharcado a encenação de lugares comuns sobre o que se convencionou chamar de pós-dramático, Rafael, por seu lirismo ácido, vai desossando (a figura do cadáver o pato ali é um achado) o seu personagem e a todos nós. 




É isso o que se vê em cena. Um ofício de açougueiro. O que teriam, então, os jovens dramaturgos a dizer que não fossem seus sentimentalismos, essa coisa de viado, questiona o texto. Por mais que a dramaturgia se fragmente, como cacos de vidro, Rafael os traz de volta, seja para repeti-los, apresentando-os em uma outra voltagem, seja para fechar um ciclo metafórico, indo do banal ao sublime. Exemplo disso é a piada sobre alguém que deseja explicar a um matuto quem tenha sido Beethoven. Terá de dizer que é o cão da sessão da tarde que toca piano.

O que poderia ser uma simples piada solta, essa do cão, é retomada num momento de grande crueldade - quando o casal (sim, embora pouco importe, a montagem é mais do que o texto, conta-se a história de um homem que se apaixona por um caçador de patos) esbofeteia-se e um deles exige que o outro lhe fale o nome: É Beethoven, grita e, ato contínuo, fazendo-se de cão, humilha-se para um dono que não lhe quer mais.

Edglê, sapateando e reverberando as ações do seu parceiro de cena, está à altura do que o papel lhe exige, sobretudo, a carga de ironia que o texto lhe pede. A cena em que, de costas para o seu interlocutor, vai sapateando a dor alheia, ao fazer pouco caso das perguntas que lhe são feitas, é uma das pedras de toque do espetáculo.

O espetáculo, do grupo Teatro em Película,  vai comprovando a ascensão de um novo nome na dramaturgia nordestina. 

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