quinta-feira, 6 de setembro de 2012


FILTE/SALVADOR

correndo o risco de usar clichês



 O espetáculo Entre nós - uma comédia sobre diversidade corre, de cara, dois grandes riscos. O primeiro deles, diz respeito à forma. Questionar a estrutura do próprio teatro, em cena, tem sido um dos clichês mais repetidos de uma cena que se quer contemporânea, pós dramática, etc. O segundo deles, é relativo ao tema: a homoafetividade, sobretudo, por pressupor um posicionamento e uma defesa que, como qualquer assunto que se requeira uma tomada de posição, arrisca-se a cair nopanfletário, no didático, em suma, no chato.

 A apresentação da montagem, cuja direção, texto, iluminação e figurino é de João Sanches, aconteceu no primeiro dia do Filte (Festival Latino Americano de Teatro), de Salvador, no dia 1 de setembro, em um teatro pequeno e aconchegante, o Gamboa Nova.

 Quem abre o espetáculo é o guitarrista Léo Bittencourt que executa a trilha sonora ao vivo. Os dois atores,  Anderson Dy Souza e Igor Epifânio, tiram proveito da fragilidade e dos riscos assumidos pela montagem. Texto e encenação, mutuamente, se auxiliam quando os indicativos de que o tom adotado pareça subir além do desejável.

 A história é contada de modo metalinguístico. Temos no palco o Ator 1 e o Ator 2 que, respectivamente, dão a ilusão de criar, na hora, os personagens que intepretarão, Rodrigo, que, mesmo virgem, sem nunca ter beijado outro menino, se descobre gay e Fabinho, novo na escola, que já tem namorado. A eles, os atores, cumpre a tarefa de construir, como se fosse de improviso, tensionando as opções, exponho-lhe os problemas e riscos, uma história de amor entre dois rapazes, a pretexto de se falar sobre diversidade sexual. Literalmente, a passagem do narrado para o dramatizado, que pontua a estrutura do espetáculo, se intensifica com a manipulação, pelos atores, da mesa de luz, que está no palco. 

 O jogo dos atores, sempre em conflito, o que faz a peça correr num ritmo muito medido, é repleto de conflitos e de decisões que precisam ser pensadas, tanto do ponto de vista dramatúrgico, como de encenação, esse entrar e sair de cena, que tinha tudo para derrapar no lugar comum, foi imprescindível na abordagem dos clichês sobre o homessexualismo e, acima de tudo, fazer com que o espetáculo divirta sem ser concessivo, sem reproduzir estereótipos, nem fazer humor rebaixado.

 Se me fosse pedido para citar uma cena em que se pudesse sintetizar todo Entre Nós, escolheria a da mãe super-protetora de Fabinho. Antes, convém dizer que os seus pais já são conscientes da sexualidade do filho e o apoiam. Quando Rodrigo o visita, após ele ter apanhado na escola, vítima de homofobia, a mãe o recebe e, ponto luminoso, vemos que, no fundo, o grande medo dos pais é o de que seus filhos não sejam felizes.

 A mãe de Rodrigo, por que uma menina vai visitar seu filho, comenta, temerosa, com o pai do menino, receando que o moço possa ter uma recaída hétero. "Eu não quero outra mulher aqui", ela diz. A fala, cômica, da mãe, revela, em negativo, os receios comuns da maioria das mães: a de não ter controle sobre os filhos, só que Entre nós mostrou isso sob uma outra perspectiva.

 Despretensioso, divertido, "Entre nós" cumpre aquilo a que se propõe, de alguma maneira, podemos falar que estamos diante de um espetáculo educativo, sem ser didático, e, o melhor de tudo, sem se levar a sério, nem ser panfletário. 

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